quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O perigo de uma história única (I)


The problem with stereotypes is not that they are untrue, but that they are incomplete.
'The Danger of a Single Story', TED: Ideas Worth Spreading, July 2009.


Há sempre três lados para cada história. O teu, o meu e a verdade.

O problema começa quando pensamos que só existem dois. E que, sendo o nosso a verdade, bastaria existir um.

Ortega y Gasset afirmava que “eu sou eu e as minhas circunstâncias”.
Podemos sempre acrescentar que o outro é apenas o outro. Sem circunstâncias. Facilita-nos a vida, num duplo sentido. As nossas circunstâncias podem ser usadas como atenuantes. Dotar o outro de circunstâncias é um exercício moroso e complexo. Eventualmente desnecessário, na opinião de alguns. O outro é apenas o outro. Basta isso. Até porque, cada vez mais, nós somos apenas nós.

O perigo de uma história única começa nos esteriótipos de Chimamanda Adichie, aplicados ao outro. Infelizmente, não se esgota aí. A esteriotipização tornou-se ferramenta duma sociedade formatada e demasiado preguiçosa para aceitar variantes. Depois de séculos a esteriotipar o outro, vamos alegremente dando o passo seguinte: esteriotiparmo-nos a nós próprios, como fase intermédia para a normalização absoluta.

A diversidade exige tempo. E nós não temos. Exige abertura. E nós não queremos. Exige aceitar as diferenças. E nós achamos que não podemos. Exige, antes do mais, atenção para percebermos aquilo que nos pode trazer de bom. Mas, obviamente, atenção é algo que nos devem. Nós não devemos.

Sempre fomos desinteressados no conhecimento do outro. Quando revelámos interesse foi por uma infinidade de razões erradas. Tornámo-nos preguiçosos, à medida que a tecnologia nos facilitou a vida. Com a vida facilitada, ficámos ainda mais vulneráveis e impressionáveis. 

Dificilmente, ao olharmos ao espelho, aceitaríamos ver o outro mas a questão torna-se mais complexa quando, progressivamente, nesse mesmo momento perante o espelho, vemos apenas aquilo que se convencionou que somos nós. Sempre reduzimos o outro à sua condição de outro. Agora reduzimo-nos a nós à condição de únicos.

Os outros, os diferentes, os estrangeiros eram facilmente identificáveis por uma mão cheia (e às vezes nem isso) de características. Os americanos gordos, os snobs ingleses, os alentejanos preguiçosos, as louras burras... Salvava-se a diversidade. Toda ela plantada à nossa porta. Nós não somos seguramente iguais aos nossos vizinhos, aos nossos amigos ou aos nossos colegas. Nem sequer aos nossos familiares, mesmo partilhando a mesma herança genética.
Temos uma coisa em comum, porém. Nós somos os bons. 

Sartre dizia que o inferno são os outros, mas não verbalizou qualquer novidade. A culpa dos outros é um pensamento recorrente na espécie humana.

Claro que nem sempre os outros são maus. Podem ser bonzinhos. Bons, não. Os bons somos nós. Os outros são bonzinhos, pobrezinhos, bonitinhos, coitadinhos... Infantilizados, na nossa infinita bondade.

Mostre-se um povo como uma única coisa e apenas como uma única coisa, vezes e vezes sem conta, e é nisso que ele se tornará. Pelo menos, aos olhos dos outros. Mostre-se a um povo uma coisa e uma única coisa e é nisso que ele se tornará. É nisso que ele terá que se tornar aos olhos de si mesmo.

Há muito que não conseguimos ver ao longe. Criámos, na nossa miopia, uma imagem disforme do outro da qual só reconhecemos os contornos. Não satisfeitos e habituados a contornos, marcamos agora pontos de referências daquilo que podemos ver ao espelho. De tão confortáveis que estamos, ansiamos pelo dia que todos os contornos sejam iguais. Os nossos e os dos outros.

Igualdade!

Unidade!

Diversidade? Não é importante. Não numa história única.

Há sempre três lados para cada história. O teu, o meu e a verdade.

Este é o meu. Esperemos que não se torne a verdade.





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